FÁBULAS DE “F"EDRO
PASSOS COELHO
O texto que se segue de autoria de José Vítor Malheiro, publicado
em 11/09/2012 no jornal Publico, só hoje chegou ao meu conhecimento.
Mais não é que a consequência prática "neste jardim à beira-"mal" plantado" da doutrina exposta no texto
«A sociedade dos dois décimos», cujo link está no cabeçalho deste Blogue.
Recordamos, quando em Fevereiro de 2008, tivemos acesso
a esse texto, consideramo-lo tão importante e profético, que decidimos criar
este Blogue para servir de veículo à sua divulgação.
Mais uma vez para recomendamos a leitura daquelas 8 páginas,
pois nelas está descrita a actual evolução da sociedade, na perspectiva
neoliberal dos pretensos “senhores do mundo”.
Entretanto, achamos extremamente significativo o que diz José
Vítor Malheiro.
Podemos mesmo considerar, que a efabulação do sonho de
Passos Coelho que no fundo, é o que ele faz, representa uma versão “Borda d’água”
da canalhada que nos governa, a tentar imitar os seus progenitores neoliberais norte-americanos.
O SONHO DE PEDRO
PASSO COELHO
Por: José Vítor Malheiros
«"Um
terço é para morrer. Não é que tenhamos gosto em matá-los, mas a verdade é que
não há alternativa. Se não damos cabo deles, acabam por nos arrastar com eles
para o fundo. E de facto não os vamos matar-matar, aquilo que se chama matar,
como faziam os nazis. Se quiséssemos matá-los mesmo era por aí um clamor que
Deus me livre. Há gente muito piegas, que não percebe que as decisões duras são
para tomar, custe o que custar e que, se nos livrarmos de um terço, os outros
vão ficar melhor. É por isso que nós não os vamos matar. Eles é que vão
morrendo. Basta que a mortalidade aumente um bocadinho mais que nos outros
grupos. E as estatísticas já mostram isso. O Mota Soares está a fazer bem o seu
trabalho. Sempre com aquela cara de anjo, sem nunca se desmanchar. Não são os
tipos da saúde pública que costumam dizer que a pobreza é a coisa que mais mal
faz à saúde? Eles lá sabem. Por isso, joga tudo a nosso favor. A tendência já
mostra isso e o que é importante é a tendência. Como eles adoecem mais, é só ir
dificultando cada vez mais o acesso aos tratamentos. A natureza faz o resto. O
Paulo Macedo também faz o que pode. Não é genocídio, é estatística. Um dia lá
chegaremos, o que é importante é que estamos no caminho certo. Não há dinheiro
para tratar toda a gente e é preciso fazer escolhas. E as escolhas implicam
sempre sacrifícios. Só podemos salvar alguns e devemos salvar aqueles que são
mais úteis à sociedade, os que geram riqueza. Não pode haver uns tipos que só
têm direitos e não contribuem com nada, que não têm deveres.
Estas tretas da
democracia e da educação e da saúde para todos foram inventadas quando a
sociedade precisava de milhões e milhões de pobres para espalhar estrume e
coisas assim. Agora já não precisamos e há cretinos que ainda não perceberam
que, para nós vivermos bem, é preciso podar estes sub-humanos.
Que há um terço que
tem de ir à vida não tem dúvida nenhuma. Tem é de ser o terço certo, os que
gastam os nossos recursos todos e que não contribuem. Tem de haver equidade. Se
gastam e não contribuem, tenho muita pena... os recursos são escassos. Ainda no
outro dia os jornais diziam que estamos com um milhão de analfabetos. O que é
que os analfabetos podem contribuir para a sociedade do conhecimento? Só vão
engrossar a massa dos parasitas, a viver à conta. Portanto, são: os
analfabetos, os desempregados de longa duração, os doentes crónicos, os
pensionistas pobres (não vamos meter os velhos todos porque nós não somos
animais e temos os nossos pais e os nossos avós), os sem-abrigo, os pedintes e
os ciganos, claro. E os deficientes. Não são todos. Mas se não tiverem uma
família que possa suportar o custo da assistência não se pode atirar esse fardo
para cima da sociedade. Não era justo. E temos de promover a justiça social.
O outro terço temos
de os pôr com dono. É chato ainda precisarmos de alguns operários e assim, mas
esta pouca-vergonha de pensarem que mandam no país só porque votam tem de
acabar. Para começar, o país não é competitivo com as pessoas a viverem todas
decentemente. Não digo voltar à escravatura - é outro papão de que não se pode
falar -, mas a verdade é que as sociedades evoluíram muito graças à
escravatura. Libertam-se recursos para fazer investimentos e inovação para
garantir o progresso e permite-se o ócio das classes abastadas, que também
precisam. A chatice de não podermos eliminar os operários como aos sub-humanos
é que precisamos destes gajos para fazerem algumas coisas chatas e, para mais
(por enquanto), votam - ainda que a maioria deles ou não vote ou vote em nós. O
que é preciso é acabar com esses direitos garantidos que fazem com que eles
trabalhem o mínimo e vivam à sombra da bananeira. Eles têm de ser aquilo que os
comunistas dizem que eles são: proletários. Acabar com os direitos laborais, a
estabilidade do emprego, reduzir-lhes o nível de vida de maneira que percebam
quem manda. Estes têm de andar sempre borrados de medo: medo de ficar sem
trabalho e passar a ser sub-humanos, de morrer de fome no meio da rua. E
enchê-los de futebol e telenovelas e reality shows para os anestesiar e
para pensarem que os filhos deles vão ser estrelas de hip-hop e assim.
O outro terço são
profissionais e técnicos, que produzem serviços essenciais, médicos e
engenheiros, mas estes estão no papo. Já os convencemos de que combater a
desigualdade não é sust entável (tenho de mandar uma caixa de charutos ao Lobo
Xavier), que para eles poderem viver com conforto não há outra alternativa que
não seja liquidar os ciganos e os desempregados e acabar com o RSI e que para
pagar a saúde deles não podemos pagar a saúde dos pobres.
Com um terço da
população exterminada, um terço anestesiado e um terço comprado, o país pode
voltar a ser estável e viável. A verdade é que a pegada ecológica da sociedade
actual não é sustentável. E se não fosse assim não poderíamos garantir o nível
de luxo crescente da classe dirigente, onde eu espero estar um dia. Não vou
ficar em Massamá a vida toda. O Ângelo diz que, se continuarmos a portarmo-nos
bem, um dia nós também vamos poder pertencer à elite."»