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segunda-feira, 6 de julho de 2015

A GRÉCIA E O REFERENDO



A HISTÓRIA MADRASTA DE UM                           POVO

CUJA DIGNIDADE JUSTIFICA O RESULTADO 
                    DO REFERENDO

O importante texto que se segue, de autoria de William R. Polk, ex-professor de História e ex-Reitor da Universidade de Harvard e da Universidade de Chicago, foi publicado na revista de investigação na Internet “consortiumnews”.

Trata-se de um relato extremamente sintético, mas clarificador das razões históricas, que estão subjacentes à dignidade demonstrada pelo povo grego, na lição que deu ao mundo, quando para surpresa de todas as forças que violentamente os chantagearam, optaram maciçamente por votar “Não”.



Ao focar exclusivamente os aspectos monetários da crise grega, a narrativa construída e distribuída pela mídia perde de vista grande parte do que realmente atormenta os gregos e também do que poderia possibilitar alguma solução.
Por mais de meio século, os gregos viveram tempos de grande perigo. Nos anos 1930s, viveram sob uma ditadura brutal, cujo modelo foi a Alemanha Nazista, com polícia secreta copiada da Gestapo e com os dissidentes mandados para morrer num campo de concentração numa ilha. E então, aconteceu coisa estranhíssima: Benito Mussolini invadiu a Grécia.
Para proteger o autorrespeito e o próprio país, os gregos puseram de lado o ódio contra a ditadura de Metaxas e uniram-se para combater o invasor estrangeiro. Os gregos fizeram tão belo trabalho na defesa do país deles, que Adolf Hitler teve de adiar a invasão da Rússia, para ir até lá resgatar os fascistas italianos.
Há quem diga que esse movimento pode ter salvo Josef Stalin, porque o adiamento forçou a Wehrmacht a combater na lama, neve e gelo da Rússia, condições para as quais não estava preparada. Mas, ironicamente, isso também salvou a ditadura de Metaxas e a monarquia. O rei e os mais altos oficiais gregos fugiram para o Egito então ocupado pela Grã-Bretanha e, como novos aliados, foram declarados parte do “Mundo Livre”.
Enquanto isso, na Grécia, os alemães saqueavam grande parte da indústria grega, dos estaleiros e estoques de comida. Os gregos passaram fome. Como Mussolini disse então, “os alemães tiraram dos gregos até os cordões dos sapatos”.
Então os gregos começaram a reagir. Em outubro de 1942, iniciaram um movimento de resistência que, em dois anos, tornou-se o maior da Europa.
Quando a França se orgulhava dos seus menos de 20 mil partisans, o movimento da resistência grega alistara 2 milhões de resistentes, e já derrotara pelo menos duas divisões de soldados alemães. E sem nenhuma ajuda externa.
  Quando o desfecho da guerra começou a se configurar, o Primeiro-Ministro britânico, Winston Churchill, decidiu devolver a Grécia ao regime de antes da guerra, com a monarquia e o antigo governo. Temia a influência dos comunistas ativos dentro do movimento de resistência.
Churchill tentou conseguir que o exército anglo-americano, que se aprontava para invadir a Itália, invadisse não a Itália, mas a Grécia. Fato é que tanto insistiu nessa mudança no plano de guerra que quase rompeu a aliança militar dos Aliados. Quando não conseguiu o que queria, mandou para a Grécia todos os soldados que ainda estavam sob o comando dele. Com isso precipitou uma guerra civil que rachou ao meio o país. Os líderes da resistência clandestina foram derrotados e o movimento foi esmagado. A burocracia, a polícia e os programas da ditadura do pré-guerra retomaram o controle do país.
Depois da guerra, com a Grã-Bretanha já arruinada e sem meios para sustentar sua política imperial, Londres entregou a Grécia aos norte-americanos que anunciaram a “Doutrina Truman” e afogaram o país em dinheiro, com o que impediram o sucesso eleitoral da esquerda. O dinheiro norte-americano funcionou bem por algum tempo, mas a mão pesada da ditadura criou uma nova geração de supostos democratas que desafiaram a ditadura.
Esse é o tema belamente exposto no filme Z de Costa Gravas, estrelado por Yves Montand . Como o filme mostra, o movimento liberal do início dos anos 1960s foi derrotado por uma nova ditadura militar, “o governo dos coronéis”.
Quando a junta militar foi derrubada em 1974, a Grécia conheceu um breve período de “normalidade”, mas nenhuma das fissuras profundas que havia na sociedade haviam sido realmente remediadas. Independente de que partido político designasse os ministros, a burocracia sempre autoperpetuada continuava no controle. A corrupção era generalizada. E, mais importante que tudo isso, a Grécia tornara-se um sistema político que Aristóteles chamaria de oligarquia.
Os muito ricos usavam o dinheiro para criar para eles mesmos um estado dentro do estado. Estenderam seu poder para todos os nichos da economia e construíram o sistema bancário grego de modo que se tornou essencialmente extra-territorializado. O porto de Piraeus encheu-se de megaiates de gente que não pagava impostos e Londres foi comprada, pelo menos em boa parte, por gente que sangrava a economia grega. Todo o dinheiro “inteligente” [orig. “smart money”] da Grécia estava aplicado fora do país. 
A crise atual 
Esse estado de coisas poderia ter durado muito mais tempo, mas quando a Grécia uniu-se à União Europeia em 1981, banqueiros europeus (principalmente alemães) farejaram uma oportunidade: voaram em bandos para a Grécia, para oferecer empréstimos. Até quem não tinha renda que tornasse razoável qualquer empréstimo ganhou empréstimos. Na sequência, os banqueiros começaram a cobrar pagamentos. Chocados, os empresários começaram a demitir. O desemprego cresceu. As oportunidades evanesceram.
Não há qualquer remota chance de aqueles empréstimos serem pagos. Nunca deveriam ter sido oferecidos e nunca deveriam ter sido aceitos. Para manter-se à tona o governo cortou em serviços públicos (não cortou gastos militares) e o povo sofreu muito. Nas eleições de 2004, o povo ainda não havia sofrido o suficiente a ponto de eleger a coalizão radical liderada pelo partido “Unidade” (SYRIZA). Naquele ano, o partido recebeu apenas 3,3% dos votos.
Então, depois do crash financeiro de 2008 vieram anos de dificuldades que aumentavam dia a dia, todos os políticos eram considerados culpados de tudo e havia muita ira. Era ira popular, dos que se sentiam desorientados pelos banqueiros e pela própria loucura. Não havia esperança nem havia saída à vista, e os gregos começaram a virar-se na direção do partido SYRIZA. Depois de várias tentativas, afinal nas eleições de 2015 o SYRIZA alcançou 36,3% dos votos, e elegeu 249 dos 300 membros do Parlamento.
Hoje, as condições que empurraram na direção dessa eleição são ainda mais graves: a renda nacional da Grécia caiu 25% e o desemprego entre os mais jovens é superior a 50%. Assim sendo, o que resta aos negociadores fazer?



Taxas de desemprego Eurozona, Alemanha e Grécia


Com Alemanha e UE a exigir mais e mais ARROCHO, os gregos estão furiosos
Há no país memórias profundas de ódio aos alemães (antes eram soldados, agora são banqueiros). Os gregos foram mal interpretados, mal representados e traídos pelos seus próprios políticos vezes sem conta. O Primeiro-Ministro Alexis Tsipras sabe que, se for marcado com o rótulo “vendido”, sua carreira está acabada.
E o pacote do dito “resgate” que o FMI e o BCE ofereceram pesa muito contra a Grécia. Os gregos veem a opção de sair do euro como semelhante à posição que Grã-Bretanha e Suécia assumiram desde o início, de não adotar a moeda europeia – mas terá de haver ajuste doloroso para a economia grega, caso a Grécia tome a decisão, sem precedentes, de desligar-se do euro.
Mesmo assim – a menos que FMI e BCE façam nova oferta, que traga alguma coisa que dê aos gregos chance de uma vida melhor e cancelem parte significativa da dívida – entendo que os gregos acertarão se votarem “Não”, no domingo; se rejeitarem as demandas dos banqueiros, que querem mais e mais ARROCHO; e se abandonarem o euro.

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