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terça-feira, 8 de março de 2011

TUDO COMEÇOU
COM O WIKILEAKS
A HISTÓRIA DA GENESE DAS INSURREIÇÕES ARABES

Um interessante artigo, que resume o que há de essencial no actual panorama da revolução árabe, suas origens, consequências e algumas perspectivas futuras.

A PRIMAVERA DEMOCRÁTICA DAS SOCIEDADES ÁRABES

Texto de: Ignacio Ramonet

Tradução de: Juvenal Lucas

Quais são as causas do vendaval de liberdade, que de Marrocos ao Bahrein, passando pela Tunísia, Líbia e Egipto, sopra sobre o mundo árabe? Por que motivos estas simultâneas ânsias de democracia se expressam precisamente agora?
A estas duas perguntas, as respostas são de diversa índole: histórico, política, económica, climática e social.

1- Histórico.

Desde o final da Primeira Guerra Mundial e a implosão do Império Otomano, o interesse das potências ocidentais pelo mundo árabe (Próximo Oriente e Norte de África) teve dois motivos principais: controlar os hidrocarbonetos e assegurar um lar nacional para os judeus. Depois da Segunda Guerra Mundial e do trauma universal do Holocausto, a criação do Estado de Israel, em 1948, teve como contrapartida a chegada ao poder em vários Estados árabes libertados do colonialismo, das forças anti-sionistas (opostas à existência de Israel): do tipo " militar nacionalista " no Egipto e Iémen, ou de carácter “árabe socialista " no Iraque, Síria, Líbia e Argélia.
Três guerras perdidas contra Israel (em 1956, 1967 e 1973) conduziram o Egipto e a Jordânia a assinar tratados de paz com o Estado judeu e a alinhar com os Estados Unidos, que já controlava -no contexto da Guerra Fria - todas as petrómonarquias da península Arábica, assim como o Líbano, Tunísia e Marrocos. Deste modo, Washington e os seus aliados ocidentais mantiveram seus dois objectivos principais: o controlo do petróleo e a segurança de Israel. Em troca, protegiam a permanência de ferozes tiranos (Hassan II, o general Mubarak, o general Ben Ali, o rei saudita Faisal, Fahd e Abdullah, etc) e sacrificavam qualquer aspiração democrática das sociedades.

2-Político.

Nos Estados do pretenso "socialismo árabe" (Iraque, Síria, Líbia e Argélia), sob o pretexto conveniente da "luta anti-imperialista" e de " caça aos comunistas ", estabeleceram-se ditaduras de partido único, governados com mão de ferro por déspotas de antologia (Saddam Hussein, Al Assad pai e filho, e Muammar al-Gaddafi, o mais louco deles.) Ditaduras que garantiam, por outro lado, o fornecimento de hidrocarbonetos ás potências ocidentais, e não ameaçavam realmente Israel (quando o Iraque parecia que o ia fazer, foi destruída). Assim, sobre os cidadãos árabes, caiu de uma laje de silêncio e de terror.
As ondas de democratização sucediam-se no resto do mundo. Desapareceram nos anos de 1970, as ditaduras, em Portugal, Espanha e Grécia. Em 1983, na Turquia. Após a queda do Muro de Berlim em 1989, deu-se o colapso da União Soviética assim como o "socialismo real" na Europa da Europa de Leste. Na América Latina caíram as ditaduras militares nos anos 1990. Entretanto, a escassos quilómetros da União Europeia, com a cumplicidade das potências ocidentais (entre elas a Espanha), o mundo árabe permanecia num estado de glaciação autocrático.
Ao não permitir qualquer forma de expressão crítica, o protesto localizou-se no único lugar de reunião não proibido, a mesquita. E em torno do único livro não censurável, o Corão. Assim se foram fortalecendo os islamismos. O mais reacionário foi lançado pela Arábia Saudita, com o decidido apoio de Washington, que via nele um argumento para manter os povos árabes em "submissão" (significado da palavra "Islam"). Mas também surgiu, sobretudo após a "revolução islâmica", de 1979, no Irão, o Islamismo político que encontrou nos versos do Corão argumentos para exigir justiça social e denunciar a corrupção, o nepotismo, e a tirania.
Assim nasceram vários ramos mais radicais, dispostos a tomar o poder pela violência e pela “Guerra Santa. " . Assim foi engendrada a Al Qaeda...
Após os atentados de 11 de Setembro de 2001, as potências ocidentais, com a cumplicidade de "ditaduras amigas", acrescentam um novo motivo para manter sob controlo rigoroso as sociedades árabes: o medo do Islamismo. Em vez de compreender que esta era a consequência da falta de liberdade e da ausência de justiça social, adicionaram mais injustiça, mais despotismo, mais repressão...

3- Económico.

Vários países árabes sofreram o impacto da crise global iniciada em 2008. Muitos trabalhadores destes países, imigrados na Europa, perderam o seu trabalho. O volume das remessas de dinheiro enviado para as suas famílias diminuiu. A indústria turística definhou. Os preços dos hidrocarbonetos (em aumento nestas últimas semanas por causa da revolta popular na Líbia) diminuíram. Simultaneamente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) impôs á Tunísia, Líbia e Egipto, programas de privatização dos serviços públicos, a redução drástica dos orçamentos do Estado e redução do número de funcionários... Uns planos de ajustamento tão severo que piorou, se possível, a vida dos pobres e, sobretudo ameaçava minar as classes médias urbanas (aquelas que precisamente têm acesso ao computador, ao celular e ás redes sociais) jogando-as na pobreza.

4- Climático.
Neste contexto, já de si explosivo, se produziu no verão passado, um desastre ecológico em uma região remota do mundo árabe. Mas o planeta é um só. Durante semanas, a Rússia, um dos principais exportadores de cereais do mundo, experimentou a pior onda de calor e incêndios de sua história. Um terço de sua colheita de trigo foi destruído. Moscovo suspendeu a exportação de cereais (que também são utilizados para alimentar o gado), cujos preços imediatamente subiram 45%. Este aumento se repercutiu nos alimentos: pão, carne, leite, frango... Provocando, a partir de Dezembro de 2010, o maior aumento dos preços dos bens alimentares, desde 1990. No mundo árabe, uma das principais regiões de importação desses produtos, os protestos contra o alto custo de vida se multiplicaram...

5- Social.
A acrescentar ao que acima foi referido: uma população muito jovem e um monumental nível de desemprego. Uma incapacidade de emigrar, porque a Europa tem blindado as suas fronteiras e estabelecido descaradamente acordos para que as autocracias árabes se encarreguem do trabalho sujo para conter imigrantes ilegais. Destinando os melhores lugares para as panelinhas das ditaduras mais arcaicas do planeta…...
Faltava uma faísca para incendiar a pradaria. Houve dois. Ambas na Tunísia. Primeiro, em 17 de Dezembro, a auto imolação pelo fogo de Buazizi Mohamed, um vendedor ambulante de fruta, como sinal de condenação da tirania. E o segundo, transmitido por telefones celulares, redes sociais (Facebook, Twitter), e-mail e do canal Al-Jazeera, as revelações de WikiLeaks sobre a realidade concreta do desavergonhado sistema mafioso estabelecidas pelo clã Ben Ali Trabelsi.
O papel das redes sociais tem sido fundamental. Permitiram flanquear o muro do medo, saber de antemão que dezenas de milhares de pessoas vão manifestar-se num dia D e a uma hora H, é uma garantia de que cada um, não vai protestar solitariamente, expondo-se isoladamente á repressão do sistema. É o êxito tunisino desta estratégia que enxameia e convulsiona todo o mundo árabe.

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