No Blogue Biscates lemos o esclarecedor texto, que reproduzimos a seguir na integra, para quem não estiver ligado à matéria jurídica perceber mais este aspecto escabroso, até que ponto temos sido enganados , desde que a contra revolução robou o poder ao Portugal de Abril.
A notícia de que a
família Espirito Santo não tinha um único bem em seu nome elucidou-me sobre o
tipo de sociedade em que vivemos, aonde chegámos. Juristas meus amigos
garantiram-me que é perfeitamente legal um cidadão, ou cidadã, ou uma família
não ter qualquer bem em nome próprio. Nunca tinha colocado a questão da
ausência de bens no quadro da legalidade, mas no da necessidade. Acreditava que
pessoas caídas na situação de sem-abrigo, refugiados, minorias étnicas não
enquadradas como algumas comunidades ciganas podiam não ter nada em seu nome,
mas até já ouvira falar no direito a todos os cidadãos possuírem uma conta
bancária, um registo de bens, nem que fosse para prever uma melhoria de
situação no futuro. Considerava um ato de reconhecimento da cidadania ter em
seu nome o que pelo esforço, ou por herança era seu. Chama-se a isso
“património”, que tem a mesma origem de pai e de pátria, aquilo que recebemos
dos nossos antecessores e que faz parte dos bens que constituem a entidade onde
existimos.
Estes conceitos não
valem para os Espirito Santo, para estes agora desmascarados e para os da sua
extracção que continuam a não ter bens em seu nome, mas têm o nome em tantos
bens, em paredes inteiras, em tetos de edifícios, em frontarias, em
supermercados, em rótulos de bebidas.
O caso da ausência
de bens dos Espírito Santo trouxe à evidência o que o senso comum nos diz dos
ricos e poderosos: vivem sobre a desgraça alheia. Até lhe espremem a miséria
absoluta de nada possuírem. Exploram-na. No caso, aproveitam a evidência de que
quem nada possui com nada poder contribuir para a sociedade para, tudo tendo,
se eximirem a participar no esforço comum dos concidadãos. Tudo dentro da
legalidade e da chulice, em bom português.
Imagino com
facilidade um dos seus advogados e corifeus, um Proença de Carvalho, por
exemplo, a bramar contra a injustiça, contra o atentado às liberdades
fundamentais dos pobres a nada terem, à violência socializante e colectivista
que seria obrigar alguém a declarar bens que utiliza para habitar, para se
movimentar por terra, mar e ar, para viver, em suma. Diria: todos somos iguais
perante a lei, todos podemos não ter nada, o nada ter é um direito fundamental.
Para ter, é preciso querer, e os Espirito Santo não querem ter, querem o
direito de usar sem pagar. O mesmo direito do invasor, do predador.
A legalidade do não
registo de bens em nome próprio para se eximir ao pagamento de impostos e fugir
às responsabilidades perante a justiça é um exemplo da perversidade do sistema
judicial e da sua natureza classista. Esta norma legal destina-se a proteger
ricos e poderosos. Quem a fez e a mantem sabe a quem serve. Os Espirito Santo
não são gente, são empresas, são registos de conservatória, são sociedades
anónimas, são offshores com fato e gravata que recebem rendas e
dividendos, que pagam almoços e jantares. Não são cidadãos. As cuecas de
Ricardo Espirito Santo não são dele, são de uma SA com sede no Panamá, ou no
Luxemburgo. A lingerie da madame Espirito Santo é propriedade de um
fundo de investimento de Singapura, presumo porque não sou o contabilista.
Mas a ausência de
bens registados pelos Espirito Santos em seu nome diz também sobre a sua
personalidade e o seu carácter. A opção de se eximirem a compartilhar com os
restantes portugueses os custos de aqui habitar levanta interrogações
delicadas: Serão portugueses? Terão alguma raiz na História comum do povo que
aqui vive? Merecem algum respeito e protecção deste Estado que nós sustentamos
e que alguns até defenderam e defendem com a vida?
Ao declararem que
nada possuem, os Espirito Santo assumem que não têm, além de vergonha, onde
cair mortos!
O ridículo a que os
Espirito Santo se sujeitam com a declaração de nada a declarar com que passam
as fronteiras e alfândegas faz deles uns tipos que não têm onde cair mortos,
uns párias.
A declaração de
“nada a declarar” em meu nome, nem da minha esposa, filhinhos e restante
família dos Espirito Santo, os Donos Disto Tudo, também nos elucida a propósito
do pindérico capitalismo nacional: Os Donos Disto Tudo não têm onde cair
mortos! O capitalismo em Portugal não tem onde cair morto!
Resta ir perguntar
pelas declarações de bens dos Amorins, o mais rico dos donos disto, do senhor
do Pingo Doce, do engenheiro Belmiro, dos senhores Mellos da antiga Cuf, dos
senhores Violas, dos Motas da Engil e do senhor José Guilherme da Amadora para
nos certificarmos se o capitalismo nacional se resume a uma colecção de sem
abrigo que não têm onde cair mortos! É que, se assim for, os capitalistas
portugueses, não só fazem o que é costume: explorar os pobres portugueses, como
os envergonham.
Os ricos,
antigamente, mandavam construir jazigos que pareciam basílicas para terem onde
cair depois de mortos – basta dar uma volta pelos cemitérios das cidades e
vilas. Os ricos de hoje alugam um talhão ao ano em nome de uma sociedade
anónima! Os Espirito Santo, nem têm um jazigo de família!
Eu, perante a
evidência da miséria, se fosse ao senhor presidente da República, num intervalo
da hibernação em Belém, declarava o território nacional como uma zona de
refúgio de sem-abrigo, uma vala comum e acrescentava a legenda na bandeira
Nacional: “Ditosa Pátria que tais filhos tem sem nada!”
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