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domingo, 25 de outubro de 2009

PARABENS JOSÉ SARAMAGO!!!

ACONSELHAMOS VEREM OS VIDEOS DO DEBATE ENTRE JOSÉ SARAMAGO E O PADRE/FRADE CARREIRA DAS NEVES, NA COLUNA DA DIREITA, ANTES DE LEREM ESTE ARTIGO, POIS A ELES SE REFERE ESTE TEXTO.

Fiquei muito entusiasmado quando soube que José Saramago tinha aceitado debater o tema da sua última obra “CAIM”, com o padre Carreira das Neves, na “SIC”, na certeza de que a já vulgarizada “má-língua”, ficaria sem argumentos.
Pelos encómios que com que o canal de televisão revestiu o padre/frade, parece ser ele era o especialista na Bíblia mais habilitado e representativo da visão da hierarquia da Igreja na matéria, derivado certamente de ele ser por acaso, o professor titular de “Teologia Bíblica” da Universidade Católica de Lisboa.
Não tinha dúvidas que o “duelo” ia ser muito esclarecedor pois sabia de antemão, que José Saramago é um intelectual muito rigoroso e tem uma linha de pensamento clara, muito directa e sem “rodriguinhos”.
Devo no entanto, desde já esclarecer, que as minhas expectativas foram goradas.
Não por culpa do José Saramago, mas pela qualidade da intervenção do padre Carreira das Neves.
Para já, não me pareceu nada bem ter começado a “passar a mão pelo pêlo” de Saramago, dizendo logo no início, que um tal “qualquer coisa Erom (?) Blum”, escritor e crítico americano e judeu agnóstico (que ele refere como pessoa muito importante, mas que a minha ignorância, não permite identificar) considerar que Saramago, era o maior escritor do tempo.
Era uma adulação gratuita, sobretudo tendo em consideração que á partida estaria numa posição diametralmente oposta, ao seu elogiado interlocutor.
Mesmo dando de barato que como padre se sentisse profissionalmente obrigado a não agredir o seu adversário, sabendo nós como a Igreja trata os comunistas, aquele começo incomodou-me, por deslocado e exagerado.
Cheirou-me a hipocrisia, para psicologicamente condicionar o seu adversário e por nada ter a ver com o tema em debate, até porque á partida, de um debate de ideias absolutamente opostas se tratava.
Para justificar a minha já referida frustração, é necessário esclarecer que na véspera tinha assistido a um programa na SIC Notícias, em que a inteligente apresentadora Ana Lourenço, questionava dois personagens sobre “ CAIM” de Saramago, sendo um deles padre, com evidentes e demonstrados conhecimentos do hebreu antigo e que tornou a entrevista extremamente esclarecedora e interessante.
O padre e o outro interlocutor, cujos nomes não fixei, discutiram o tema com enorme profundidade e elevação, numa perspectiva não só filológica, como simbólica, o que deu para perceber que no significado das palavras “Abel” e “Caim”, residia a verdadeira resposta a esta questão Bíblica.
Toda a argumentação desse padre, especialista em hebreu antigo e certamente também no idioma “Tanackh”, linguagem que é utilizada nos textos bíblicos originais, se resumia ao esclarecimento de que as palavras Abel e Caim encerravam em si mesmas, um significado globalizante de um conceito, que era absolutamente impossível de tradução literal em grego, partindo daí a dificuldade encontrada, para que essa tradução representasse a essência do seu conteúdo.
Essa dificuldade de traduzir em palavras o significado implícito na sonoridade de “Abel” e “Caim” em hebreu antigo, foram os argumentos que o referido padre deu, para justificar aquilo que a simbologia bíblica atribuía a esses nomes e que me pareceram lógicos, á luz de uma interpretação religiosa de um conflito de interesses.
No fundo creio que de uma forma muito menos clara, era a isto que se referia Carreira das Neves quando definiu que o conceito simbólico, tinha a ver com a civilização das cidades (Caim) e a vida rural, representada por Abel, o homem da pastorícia.
Para além de todas estas considerações, o que de facto se torna evidente, é que tudo aquilo que o Antigo Testamento refere, tem uma leitura simbólica actualmente e que múltiplas e diversas interpretações são teologicamente admissíveis, pela igreja católica, nos tempos que correm.
Voltando ao padre/frade Carreira das Neves, que a si próprio imodestamente se atribui a qualidade de especialista na matéria, ele próprio confirma que só há pouco mais de uma centena de anos é que esse simbolismo não corresponde de forma literal, ao que a Igreja lia e considerava exemplar, nas linhas da Bíblia Sagrada.
Apesar de todo o seu muito apregoado profundo conhecimento da Bíblia, do aturado trabalho de casa que fez para o debate, das inúmeras marcas que sobressaiam do livro de Saramago e que provavam que estivera de facto a trabalhar sobre o texto, nada de novo ou interessante foi dito por ele, que merecesse comparação com a intervenção que atrás referi do outro padre, que com menos alarido e bazófia, me fez entender em poucas palavras a validade como conceito idético, na génese desse capitulo bíblico sobre Caim e Abel.
Baixando á realidade do debate, em pouquíssimas palavras, José Saramago disse tudo ao afirmar que durante milhares de anos a Bíblia foi o Livro Sagrado, cuja interpretação literal fundamentou muito dos conceitos ainda hoje vigentes na doutrina da igreja católica, o que como acima referi, foi aceite e confirmado por Carreira das Neves.
Saramago chegou mesmo ao ponto de questionar se a Igreja sabia alguma coisa de Deus, tal a confusão de argumentos com que se estava a defrontar.
Embora hoje se dê uma interpretação totalmente simbólica á Bíblia e o literal tenha sido substituído pelas mais variadas interpretações, não é assim há muito tempo que tal sucede.
Bem me lembro de quando era jovem e fervoroso praticante da religião católica apostólica romana, ser uma situação algo misteriosa a ausência de referências á Bíblia na minha catequese e aliar um medo pecaminoso de poder ter acesso a uma Bíblia evangélica, que nessa época era distribuída profusa e gratuitamente, como forma mobilizadora para a “seita” dos protestantes.
Referiu também Carreira das Neves, para mostrar o seu “á vontade” na matéria, e como argumento para calar e até fazer Saramago sentir-se um ignorante perante tanta sabedoria, tinha estado em várias bibliotecas, cada uma com centenas e centenas de milhar de obras falando da Bíblia e que ainda hoje se publicavam imensas revistas, tendo por tema as questões da Bíblia.
Curiosamente este tipo de afirmações fizeram-me recordar o caso de um meu familiar, que não sendo muito culto, se servia do facto de ter em casa uma vasta biblioteca, para provar a razão que tinha, acrescentando muitas vezes como argumento final e probatório da sua sabedoria: “eu tenho lá em casa um livro, que prova o que estou a dizer”.
Saramago perante tanta prosápia intelectual, dando uma lição de humildade e inteligência, confirmou que além nada saber, reconhecia e confessava que em matéria da Bíblia era um ignorante, certamente referindo-se comparativamente á iluminada sapiência que tinha á sua frente!!!
Então não é que o homem tinha andado por tantas bibliotecas, com tanto milhar de obras sobre a Bíblia e ainda por cima deixava explicito, que ainda hoje, lia muitas das revista específicas sobre a Bíblia que se vão publicando por esse mundo fora???
Isto aparentemente não faz sentido e pior do isso, fica-se sem perceber o que foi ali fazer Carreira das Neves, pois facilmente se conclui que teve de admitir sempre a razão dos argumentos de José Saramago e não adiantou nada sobre o que toda a gente sabe.
Não é possível negar ou fazer a Bíblia dizer o contrário do que lá está escrito, por mais voltas que se dê ao texto.
Isso chama-se “defender o indefensável”!!!
Para concluir, Carreira das Neves serviu para dar á calma e solene lição de humildade e superioridade intelectual de José Saramago, o altar que faltava ao nosso querido e “merecido Nobel”.
A José Saramago, meu camarada, o meu muito obrigado!!!

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