Concordamos em absoluto com o texto que reproduzimos
a seguir do professor universitário Vitor Pena Viçoso, publicado no Blogue "Caos Declinável", com o título "O Regresso às Crónicas e aos Mitos".
Estimulados pela rara clarividência da análise que é feita à situação política, bem como pelo destaque que dá à questão dos mitos nacionais, somos levados a considerar que o autor só deixa de ter razão, quando diz “que está tudo dito e redito”.
A unanimidade de critérios sobre a excessiva importância dos “heróis” do futebol e a forma como se subestimam os verdadeiros valores culturais deste deprimido país, só é possível, graças ao primarismo da canalha de quem nos tem governado e dos valores que cultiva.
Compreendemos que o autor se considere um “trovador da desgraça”, porque nós, com o escrúpulo da nossa dignidade ferida e a angústia da tragédia do nosso dia a dia, estando irmanados no “reencontrar com a fúria lúcida necessária, nestes dias de cinza” e por isso nos sentimos de certo modo, os “silenciados da desgraça”.
Que a lucidez do autor possa sirva de munição, para alimentar a luta, num campo em que todos os que assim pensam, não são demais, para ir lembrando os verdadeiros valores da cultura, que são na sua génese os valores da vida, da civilização, do respeito pela dignidade do ser humano e da consciência da sociedade.
Estimulados pela rara clarividência da análise que é feita à situação política, bem como pelo destaque que dá à questão dos mitos nacionais, somos levados a considerar que o autor só deixa de ter razão, quando diz “que está tudo dito e redito”.
A unanimidade de critérios sobre a excessiva importância dos “heróis” do futebol e a forma como se subestimam os verdadeiros valores culturais deste deprimido país, só é possível, graças ao primarismo da canalha de quem nos tem governado e dos valores que cultiva.
Compreendemos que o autor se considere um “trovador da desgraça”, porque nós, com o escrúpulo da nossa dignidade ferida e a angústia da tragédia do nosso dia a dia, estando irmanados no “reencontrar com a fúria lúcida necessária, nestes dias de cinza” e por isso nos sentimos de certo modo, os “silenciados da desgraça”.
Que a lucidez do autor possa sirva de munição, para alimentar a luta, num campo em que todos os que assim pensam, não são demais, para ir lembrando os verdadeiros valores da cultura, que são na sua génese os valores da vida, da civilização, do respeito pela dignidade do ser humano e da consciência da sociedade.
O REGRESSO ÀS CRÓNICAS E AOS MITOS
Depois de uma
longa ausência, por motivos alheios à minha vontade, retomo com mais rugas da
idade e do desalento as despretenciosas crónicas sobre o espectáculo deste
mundo. Não me apetece falar de recalibragens nem do despudor retórico destes
abutres, os daqui e os da estranja, que nos “governam”, nem da sonolência que
parece afectar este e outros povos igualmente desditosos. Talvez porque está
tudo dito e redito ou talvez porque me faltem as palavras para me reencontrar
com a fúria lúcida necessária nestes dias de cinza. Basta de trovadores da
desgraça, embora este mundo esteja amputado de graça, basta de lamentações e
outros ecos da perdição. Os bonifrates do poder, numa surdez calculada, repetem
os gestos habilmente orientados pelo grande manipulador, actor coberto pela
neblina do anonimato. A engrenagem funciona e aparentemente nada a pode deter.
Os cenários montados por servis agentes, nos meios de comunicação social,
completam a eficácia do sistema, ou seja, a retórica imaginária do poder
absoluto. Os mercados, esse sujeito sem contornos e sem alma, um vazio
imperativo, ditam o nosso destino. Estamos armadilhados na teia destes símbolos
habilmente forjados para nos submeter. Não é sequer uma conspiração dos grandes
financeiros para dominar o mundo, pois eles já o dominam. A novidade está nesta
estratégia de imposição de uma única visão do mundo como algo natural ou
decorrente da genética humana, assente na credibilização da iniquidade através
das máscaras da equidade do dito mercado. Chamar ao lobo cordeiro e ao cordeiro
lobo. Ou convencer-nos que em cada vítima há um coração de carrasco, em cada
carrasco um coração de vítima. A coisificação das relações humanas produz
cegueira. É um mundo sem avesso e por isso naturalmente sem horizontes
alternativos. Estamos condenados a ser os nossos próprios carcereiros. E aqui
está como um cronista bem intencionado, contra sua vontade, se foi
transformando num trovador da desgraça.
Então eis
que, neste patriótico interregno de silêncio e quase apatia, a morte dum homem
de seu nome Eusébio – originário de um bairro pobre de negros da então colonial
Lourenço Marques e que se tornaria um fabuloso artista da bola, reconhecido
mundialmente e por isso manipulável, no quadro da cruzada salazarista, em torno
do mítico multirracial ecumenismo lusíada, na década de 60 – vem, em plena
crise, reconfigurar a nossa cenografia mitológica. Como afirmou solene Luís
Filipe Vieira, “Eusébio já tinha ganho em vida a condição de mito” e a sua morte, digo eu, eleva-o
à condição de super-mito, ou
seja, numa identificação hiperbolizada “Eusébio é Portugal”, como nota José
Mourinho. É então urgente reescrever a Mensagem de Fernando Pessoa, pois,
segundo os escribas de serviço, este grande artista da bola teria sido a
primeira figura do português global. E o discurso mitológico amplia-se: imortal
símbolo de Portugal; Rei-Ídolo ou King, para dar um tom mais universal e
eternizado.
Realmente, para além de Ronaldo, próximo Comendador por
iniciativa presidencial, onde encontrar hoje alguém que pudesse preencher o
actual vazio de heróis lusos? O Barroso, presidente da Comissão Europeia,
palavroso executor dos senhores do nosso destino? O Cavaco destes tempos
tormentosos, actor menor para os desafios desta farsa trágica? O Coelho,
salvador da pátria, que retoricamente identifica a sua missão de destruir o que
resta deste país com o próprio Portugal? O Seguro, o mais inseguro líder do
exército “socialista”?
Certamente Eusébio, conforme cruzada em curso, merece a
máxima consagração nacional: o seu corpo deverá vir a ocupar um lugar ao lado
de outros imortais do Panteão Nacional, aliás bem heterogéneos e tensos, para
não dizer pior, nessa coexistência forçada (escritores liberais e democratas
como Almeida Garrett, Guerra Junqueiro, João de Deus ou Aquilino Ribeiro;
políticos da 1ª República como Teófilo Braga e Manuel de Arriaga; Sidónio Pais,
um precursor da ditadura; Óscar Carmona,um eminente representante do Estado
Novo; Humberto Delgado, um digno opositor da ditadura e finalmente a popular
fadista Amália Rodrigues).
Claro que os excessos retóricos ditirâmbicos, repetidos à
exaustão nas televisões e na Imprensa, correm o risco de se desgastar
prematuramente. Aliás, eles sabem lá o que é um mito ou um símbolo, e assim
banalizam o que, na sua óptica, não devia ser banalizado. Sem disso ter
consciência, estes discursos consumidos e a consumirem-nos à saciedade
tornam-se aceleradamente lugares vazios, a não ser que uma estranha nostalgia
bolorenta dos tempos imperiais do chamado Estado Novo os reanimem. De qualquer
modo o quase unanimismo perturba-me e assusta-me. Mas sejamos claros, Eusébio
merece ser um símbolo do nosso futebol, nas suas virtudes e nos seus defeitos,
o problema está em transportarem o símbolo para o domínio da nação. Calem-se as
Musas que outro feito se alteia, sussurrará estranhamente Camões nos Campos
Elísios. Mas de facto que importância tem altear a bota e desvalorizar a pena
neste mundo de computadores? Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades!
Porém convém, no meio da algazarra, sobretudo não esquecer o
menino negro que pôde realizar o sonho de se tornar numa estrela futebolística.
É esse jeito de sonhar que deve ficar como imagem de Eusébio. Os mitos são as
ficções dos que vão ficando, por enquanto. Nada mais.
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