PELO CONTRÁRIO
TEXTO DE MANUEL LOFF
Historiador
Escreve quinzenalmente à quinta-feira.
“Todos invocam o peso da crise nas escolhas
extremistas. Mas cada um age como se se tratasse de um fenómeno natural,
lamentável mas inevitável. A desregulação financeira, o desmantelamento dos
direitos sociais, a redução do poder de compra das classes médias, forçar os assalariados
a concorrerem entre si, tudo isto é apresentado como uma fatalidade e como se,
pelo contrário, não resultasse de decisões concretas tomadas por indivíduos
concretos - os governantes e os seus delegados europeus (e à cabeça a Comissão)
(Martine Bulard, “Nouveaux visages des extrêmes droites”, Manière de voir. Le Monde Diplomatique, abril-maio 2014).
Era bom sabermos com quem contamos para contrariar
o avanço do racismo, do populismo, do neofascismo. Mas o que mais contribui para
este fenómeno é levarmos anos a ouvir que o neoliberalismo económico em geral e
o austeritarismo em particular são inevitáveis na era da globalização. O
consenso - de que Cavaco tanto fala - foi sempre a marca das opções de política
económica dos governos das direitas e dos socialistas que se apresentam como a “esquerda
de governo” por essa Europa fora. Cavaco começou as privatizações, Guterres
multiplicou-as. Durão começou a austeridade, Sócrates levou a até aos cortes de
salários e aos PEC, e Passos e Gaspar deram lhe a forma infernal que ela assume
desde há três anos. Consenso e continuidade, portanto. Vota-se num para pôr de
lá para fora outro - mas continua tudo na mesma.
É esta uma caraterística do sistema político português?
Não, claro! Na Alemanha o social-democrata Schröder desregulou o mercado de
trabalho e forçou a descida de salários.
Perdeu eleições (200) e o SPD não se lembrou de
melhor que de fazer uma Grande Coligação com a direita de Merkel, a que regressou
há meses, depois de esta mulher ter imposto ao Sul da Europa a receita da mais terrível
pobreza dos últimos 40 anos. Nestas eleições, os socialistas europeus querem-nos
convencer, contudo, de que uma vitória sua permitiria salvar-nos da “atual
maioria liberal-conservadora em todas as instituições da EU” e na maioria dos
governos, que “não consegue dar uma resposta eficaz” à “pior crise económica
que a Europa enfrenta desde os anos 30” (portal www.pes.eu/economy_and finance).
A quem se estarão a referir? Ao presidente do Eurogrupo, o socialista holandês
Jeroen Dijsselbloem (sim, aquele que se enganou quando incluiu no seu currículo
um mestrado que nunca fez), que repetidamente insiste que o governo português,
e o grego, e o espanhol, não podem relaxar nas medidas de austeridade que ele
próprio tem proposto? Ao presidente do Parlamento Europeu, o social-democrata alemão
Martin Schultz, que sempre elogiou a política de austeridade imposta à Europa pelo
governo Merkel de que o seu próprio partido, o SPD, faz agora parte? Ou será ao
vice-governador do BCE, Vítor Constâncio, um ex-líder do PS, essa águia de
visão aguda das fraudes bancárias portuguesas, que nunca cessou de pedir a
Passos, a Portas, a Gaspar e a Seguro que, fizessem o que fizessem, não colocassem
em questão as políticas comprometidas com as equipas da troika de que o BCE é uma das componentes? Ou será do socialista
François Hollande, que dirige a segunda economia europeia, e que, depois de ser
eleito em 2012 com a promessa de revogar esse espartilho austeritário que é o
Tratado Orçamental, que contraria tudo quanto os socialistas europeus dizem
sobre o Estado social, não só fez marcha atrás, como passou a adotar a política
de cortes que Merkel e os liberalões da Comissão Barroso lhe pedem?
Lembremo-nos de que, no mesmo ano, os socialistas
gregos cometeram o seu hara kiri político
ao aceitarem integrar o governo da direita, de Antonis Samaras, que levou mais
longe
do que eles próprios haviam feito o mais radical
e devastador dos programas austeritários europeus que deixou metade dos gregos
na pobreza…
No Manifesto
Eleitoral Europeias 2014 que o PS divulgou denuncia se o governo de Passos “que
se aliou ao que a Europa tem de mais conservador, para impor esta marcha
forçada para o empobrecimento e a subalternização política.” Ou seja, queixa se
o PS de que Passos e Portas se aliaram com o socialista que dirige o Eurogrupo,
os socialistas que dirigem o governo francês, os que estão no governo alemão e
numa infinidade de governos do Norte da Europa, o socialista que está na
direção do BCE, o socialista que preside ao Parlamento e que o PS apoia para
presidir da Comissão…
No velho debate sobre como é que, à esquerda, se
cria uma alternativa à destruição as políticas sociais (na educação na saúde na
segurança social) que garantiram um bem estar relativo que asseguraram décadas
de paz à Europa, era bom que os que acham que sem os socialistas ela não se
cria se lembrassem de que PS temos. “Temos de mudar de políticas e já!” diz o
seu manifesto. Quanta razão! Comece por si próprio pelas políticas que o
governo Sócrates assumiu, e por todas aquelas que os seus aliados europeus nos
impõem!
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