Mensagem

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domingo, 8 de fevereiro de 2015



A ESSÊNCIA DA DIGNIDADE
Acabo de ler um texto do jornalista Nicolau Santos, publicado no Expresso Diário, que é uma elegia à dignidade do povo grego, personalizada pelo seu novo governo, perante a arrogância de uma Europa prepotente, “soit disant” mercliana.
Só se admira desta reacção grega, quem não conhece a história e embora no final do texto Nicolau Santos se sirva de Xerxes e da batalha das Termópilas para assinalar o facto de 300 gregos se terem batido e vencido o maior exército do mundo de então, por preferirem morrer de pé, a viver de joelhos.
 Bem poderia Nicolau Santos, ter recorrido a tempos mais modernos para simbolizar essa dignidade, bem espelhada no chamado «dia do Não», feriado e festa nacional grega, para comemorar o “não” da resposta do 1º ministro da Grécia ao ultimato italiano nos anos 40, a que se seguiu a invasão da Grécia por um numeroso e esmagador exército italiano.
Acontece que passado pouco tempo, apesar da desproporcionalidade das forças em presença (semelhante à desproporção populacional que era na ordem dos 7,5 milhões de gregos para 50 milhões de italianos),os italianos foram derrotados e tiveram de posteriormente pedir auxílio às tropas de Hitler, para conseguir superioridade sobre a resistência grega.
É também bom lembrar, que foi a Resistência grega, nomeadamente a dos comunistas gregos, tal como dos comunistas franceses, que durante a 2ª guerra mundial, maior resistência e “dores de cabeça” deram aos alemães, entre todos os países vencidos e ocupados pelas forças nazis.

Esparta não se rendeu a Xerxes e não se renderá a Berlim.
 (Nicolau Santos, in Expresso Diário)
 O leitor lembra-se da primeira viagem que François Hollande fez após tomar posse? E qual foi a primeira viagem que Passos Coelho fez depois de tomar posse (embora antes já tivesse feito algumas para o mesmo destino)? Pois, foram as duas a Berlim para colocar a chanceler Angela Merkel a par dos seus planos. E ainda se lembram do ex-ministro português das Finanças, Vítor Gaspar, a pedir delicadamente ajuda ao seu homólogo alemão, Wolfgang Schauble, com este a dizer-lhe displicentemente que depois de haver resultados se veria? Pois, os gregos não fizeram nada disso e vieram lembrar-nos que a ordem natural das coisas na Europa é outra.
 O poder na União Europeia está hoje em Berlim. Melhor: está em Angela Merkel e Wolfgang Schauble e, depois deles, em todas as suas correias de transmissão, desde primeiros-ministros e governos submissos, a economistas, universitários, analistas e comentadores, cada qual mais fundamentalista que o anterior. Ora o primeiro-ministro e o ministro das Finanças gregos, Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis, fizeram algo tão simples como colocar no topo dos seus interlocutores europeus o Parlamento, a Comissão e os Estados membros sem discriminação. É algo tão natural que ninguém se devia surpreender. Mas como nos últimos anos os líderes fracos que governam a Europa (e o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que ocupou o cargo durante uma década) deixaram que o eixo do poder se movesse para a Alemanha sem qualquer oposição, a decisão grega surge quase como uma afronta à ordem estabelecida.
 Mas não. A ordem que existia até agora é que não é normal. A Europa foi construída como base na solidariedade e a igualdade entre os Estados membros e não como uma organização em que manda um e todos os outros obedecem. E por isso todos nós, europeus, temos de agradecer a Tsipras e a Varoufakis por estarem a devolver aos europeus o orgulho de pertencerem ao clube mais solidário e democrático do mundo.
 Temos de lhes agradecer igualmente que nos estejam a mostrar que há mais que um caminho para combater a crise e que não é possível continuar a insistir na austeridade, com os péssimos resultados sociais, económicos e em matéria de dívida externa que estão à vista de todos. Temos de lhes agradecer também que recusem receber ordens de estruturas não sufragadas eleitoralmente, como o Eurogrupo. E que recusem ainda mais ordens enviadas por e-mail.
 Temos de lhes agradecer que se reúnam com ministros das Finanças dos países da zona euro e não tenham receio em discordar publicamente deles no final dos encontros. Temos de lhes agradecer que obriguem Wolfgang Schauble a dizer no final do encontro que «concordámos em discordar». Temos de lhes agradecer que não andem a negociar de mão estendida e de cerviz curvada. Temos de lhes agradecer que nos lembrem o que é a dignidade de um povo e o seu direito a escolher o seu destino e a ser respeitado por isso.
 Temos de agradecer a Tsipras e a Varoufakis que estejam a levar a Europa a interrogar-se. A interrogar-se sobre o que tem andado a fazer em matéria de combate à crise. A interrogar-se sobre que sociedades está a criar nos países periféricos. A interrogar-se sobre o modelo económico que lhes está a destinar. A interrogar-se sobre se tem sido suficientemente solidária ou se tem sido coerente na sua ajuda ou se não tem deixado a condução do processo demasiado nas mãos do Fundo Monetário Internacional.
  Não se sabe como este braço de ferro vai acabar. Os gregos são obviamente o elo mais fraco e o Banco Central Europeu deu-lhes esta semana uma punhalada que pode ser fatal. Mas desenganem-se aqueles que pensam que os gregos vão ajoelhar. Em Termópilas eram 300 contra o maior exército do mundo. Tiveram várias propostas para se renderem, desde que prestassem vassalagem a Xerxes, rei da Pérsia. Não o fizeram. Preferiram morrer de pé a viver de joelhos. E só foram vencidos pela traição. A Europa dos falcões pode derrotar os gregos. Mas não sairá ilesa deste combate. É bom que todos os líderes europeus medíocres pensem nisso antes de se unir para esmagar os espartanos de novo.

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