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domingo, 21 de dezembro de 2014

BANDALHEIRA À PORTUGUESA


RICARDO SALGADO, PORTAS E Cª

MANDAM LAVAR OS COLARINHOS, COM “OMO…LAVA MAIS BRANCO”

Agora que o ministério público mandou arquivar o processo dos submarinos, começam a saber-se as verdades e tal como diz o velho ditado: ”zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades”. 
Estamos certos que muito mais se vai saber, até porque Ana Gomes, deputada do Partido Socialista, que há muito vem denunciando “o que pode”, sobre o negócio dos submarinos, prometeu no programa “Conselho Superior “ da Antena 1, dar com a “língua nos dentes”, porque libertada do segredo de justiça, já pode divulgar tudo o que sabe (e é muito!) sobre o caso.
Para começar, Pacheco Pereira, a quem demos a “honra” de dedicar uma carta aberta em 2008, sobre uma matéria que tinha escrito e com a qual estávamos em total desacordo, carta essa que posteriormente se veio a comprovar ser completamente justificada, foi curiosamente o primeiro texto deste Blogue.
Hoje pela importância que se reveste o artigo que escreveu no jornal “Público”, sobre o caso dos submarinos e nomeadamente sobre as questões, relacionadas com o caso de Ricardo Espirito Santo, resolvemos reproduzir esse texto neste Blogue, para memória futura.
Nota final- Os destaque são da responsabilidade do Blogue.









“Só vejo aldrabões à nossa volta”

A frase foi dita por Ricardo Salgado numa reunião “familiar” para distribuir os despojos do negócio dos submarinos. A audição das gravações dessa reunião, que a TVI tornou possível, apesar da ameaça de processos, permitiu-nos ouvir os representantes dos diferentes clãs da família Espírito Santo a fazerem essa distribuição ao vivo. Salgado fala com uma voz pausada e de autoridade, os outros fazem perguntas concretas sobre a parte que lhes coube.
Com a maior das calmas, sem sequer qualquer visível entusiasmo pelo que cada um ia receber — um milhão de euros, que deixariam qualquer mortal feliz —, percebesse como era habitual lidarem com milhões e milhões, os que eram deles e os que não eram.
Só queriam explicações sobre por que é que não era mais, sabendo que outros tinham ficado pelo caminho, nos intermediários de baixo e no “alguém” que não é nomeado. A voz da ganância perguntava: “como é que aqueles três tipos receberam 15 milhões” e eles só cinco? Quando as perguntas começaram a querer ir mais longe, Salgado manda que não“ [remexessem] mais no assunto”. 
E saindo dali, da sala sumptuosa de madeiras vagamente cheirando a fragâncias naturais, o que é da natureza das boas madeiras, do couro nobre das cadeiras, dos cristais dos copos de água e dos quadros naturalistas nas paredes, dedicaram-se à esforçada tarefa de manter o seu milhão bem longe dos impostos fora de Portugal, e só o “importaram” quando o Governo permitiu o chamado “Regime Excepcional de Regularização Tributária” (RERT). O dinheiro, algum dinheiro, voltou, e foi um segundo excelente negócio, visto que pela fuga ao fisco pagaram menos impostos do que todos nós pagamos. Menos? Muito menos. Este regime do RERT foi um excepcional presente governamental para os Espírito Santo e para todos os que estiveram envolvidos nestes negócios. 
De onde veio o dinheiro? Do bolso dos portugueses, os tais que estavam a “viver acima das suas posses” e que o pagaram quando compraram os submarinos mais caros devido ao rastro de corrupção que eles deixaram atrás. Sabem quando estas frases foram ditas? Há um ano, em Novembro de 2013, estavam os portugueses no seu quinto ano de empobrecimento. 
A frase, pausada e grave, de Ricardo Salgado merece ser ouvida na sua integralidade, visto que ela representa para todos nós uma vergonha colectiva pela impunidade dos nomeados — o autor da frase, os recebedores dos milhões, os “tipos” que ficaram com os 15 milhões, e o “alguém” — nesta semana em que o processo dos submarinos foi arquivado: 
“E vocês têm todo o direito de perguntar: mas como é que aqueles três tipos receberam 15 milhões? A informação que temos é que há uma parte que não é para eles. Não sei se é ou não é. Como hoje em dia só vejo aldrabões à nossa volta... Os tipos garantem que há uma parte que teve de ser entregue a alguém em determinado dia.” 
Sim, os distintos membros do conselho superior do GES tinham todo o “direito de perguntar” como é que “aqueles três tipos” receberam o que receberam, como nós temos todo o direito de perguntar como é que, com o arquivamento da investigação judicial, todos ficaram impunes dos seus crimes, porque estes “prescreveram”. Mas, mesmo que não seja possível perseguir na Justiça esses crimes, que estão escritos a néon nos céus de Portugal na frase de Ricardo Salgado, será que não é possível outro tipo de sanções?
Não é preciso ir mais longe do que ler o despacho de arquivamento do Ministério Público, para que se compreenda que, em termos de responsabilidade, em particular de responsabilidade política, as investigações apontaram para ilegalidades, mesmo que precisem que a “prática de ilegalidade não tem, necessariamente, de configurar a prática de crime”. Muito bem, deixemos de falar em crime, passemos a falar de responsabilidades, porque, se o crime já não pode ser perseguido, pelo menos podemos exigir que um Governo e políticos decentes exijam uma sanção pelas responsabilidades, por aquilo que custou muitos milhões aos portugueses. Aliás, se há matéria que, se os portugueses conhecessem em detalhe, ainda endureceriam muito mais a sua crítica aos desmandos do poder, é a longa saga das compras de material militar e das chamadas “contrapartidas”, um dos negócios mais fraudulentos das últimas décadas. Juntem-no, se fazem favor, às PPP, porque são da mesma natureza: contratos leoninos, com cláusulas ficcionais, que estavam lá para aumentar o preço a pagar pelo Estado por aquilo que comprava e que ninguém contava vir a cumprir.
A coisa era tão escandalosa e o terreno tão pantanoso que mesmo os distintos membros do conselho superior do GES são aconselhados por Ricardo Salgado a não se meterem nestes negócios, “porque eles estavam-se a preparar para fazer o mesmo com carros blindados”. E na sala ouviu-se “e em metralhadoras e fragatas”. 
Quem conheça as encomendas previstas de material militar da última década, sabe muito bem do que eles estavam a falar.

Um antigo primeiro-ministro socialista está preso a aguardar acusação, vários altos responsáveis da actual administração pública estão presos, espera-se eternamente pelo julgamento do caso BPN, um antigo líder parlamentar do PSD está condenado a uma longa pena de cadeia, esperando recurso, vários processos e investigações estão em curso, envolvendo dirigentes do PS e PSD, uns antigos, outros ainda detendo considerável poder actual. Sobre este pressuposto novo clima da Justiça, a ministra da Justiça disse que “o tempo da impunidade acabou”. Não é verdade, se formos mais longe e abandonarmos a cómoda e hipócrita afirmação de Pina Moura de que a “ética republicana é a lei”.
Não, a “ética republicana”, se é que isso existe, é mais do que a lei — é a condução dos negócios públicos com sentido de probidade e uma necessária exigência de responsabilidade de quem manda nos governos e nos partidos. O processo dos submarinos pode não permitir a criminalização dos responsáveis, mas não pode deixar de exigir que pelo menos se puna quem permitiu os desmandos que estão patentes na frase dos Espírito Santo. 
Por isso, voltemos às responsabilidades que o despacho descreve em pormenor, incluindo várias ilegalidades, em particular envolvendo Paulo Portas enquanto ministro da Defesa, e sancionadas mais tarde pelo Governo Santana Lopes (“Sanou qualquer irregularidade que pudesse ter existido do ponto de vista administrativo”). Por exemplo, lá se afirma que Paulo Portas “excedeu o mandato” que lhe foi conferido pelo Conselho de Ministros em finais de 2003, ao celebrar um contrato de compra diferente dos termos definidos na adjudicação, em negociações que “decorreram de forma opaca”.
Foi detectada “a violação de princípios e normas de natureza administrativa” que explica a incúria, negligência e falta de cuidado pelo bem público patentes em todo o processo (“O Estado encontrava-se numa situação muito frágil”). O despacho é claro quanto ao facto de não ter encontrado sinais de favorecimento do consórcio alemão, mas é igualmente claro quanto à geral “opacidade do processo”, incluindo a misteriosa desaparição de documentos relevantes para saber o que se passou.
Um crime não se compara a uma ilegalidade ou a uma negligência. Mas se Sócrates vier a ser considerado culpado daquilo que é acusado, os governos que dirigiu serão envenenados por essa culpa, porque os restantes membros do Governo teriam então actuado com incúria e negligência perante os crimes que se cometiam ao seu lado. O PSD não deixará de usar na sua propaganda essa circunstância, no ambiente de desespero eleitoral que se vive no partido. A isso se somará a culpa objectiva do PS nos negócios ruinosos das dezenas de PPP que fez, e outras aventuras despesistas, e essa responsabilidade cairá sobre todos. Mas se na coligação permanecer Paulo Portas, e se entretanto depois deste despacho não sair do Governo, não há frase contra as PPP que não possa ser rebatida com os submarinos, porque, em ambos os casos, os governantes não defenderam o bem público a que estavam obrigados. 
É um pobre destino da nossa política esta contínua troca de acusações, mas é inevitável, enquanto os responsáveis directos pelos acordos leoninos das PPP estiverem em confronto com a negligência nos acordos de material de guerra que acabaram por levar à mesa do conselho superior do GES os milhões que nós pagamos para alimentar cinco bocas dos clãs Espírito Santos, mais três bocas da Escom, mais uns advogados pagos a preço de ouro e a boca do “alguém” que não se sabe quem é.
São, de facto, todos uns aldrabões.

José Pacheco Pereira

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