“IN MEMORIAN”
DE JOSÉ HERMANO SARAIVA
Agora que o senhor morreu, porque foi meu professor de
História e era filho do Reitor do meu Liceu Passos Manuel, recordo a ligação
que a vida se encarregou de relacionar a essa memória, em muitas e por vezes
dolorosas situações pouco "simpáticas" digamos.
Fui aluno do Liceu Passos Manuel, onde para ganhar umas
refeições à borla, fazia de fiscal do refeitório, controlando as entradas e
vendendo as senhas das refeições e complementos.
Porque tinha pouco mais de 10 anos e era um miúdo desembaraçado,
facilmente caí nas graças da maioria dos professores e nomeadamente do Reitor,
pai de José Hermano Saraiva, que por ser muito pequenino, era conhecido pelo “meia-leca”.
Era na altura comandante de Bandeira da Mocidade Portuguesa desse
liceu, Baltazar Rebelo de Sousa, pai de Marcelo Rebelo de Sousa.
Acontece que todos os sábados à tarde tínhamos actividades
daquela organização, entre elas um arremedo da chamada “ordem unida” militar, que
consistia em marchar e fazer vários movimentos de conjunto.
Um dia em que me enganei num dos movimentos exigidos à “quina”
de que fazia parte, o instrutor castigou-me, calcando violentamente com o
calcanhar do seu botim, a biqueira do meu sapato e oscilando para um lado e para
o outro, a fim de me ocasionar a maior dor possível.
Decidi nunca mais ir à Mocidade Portuguesa, mas como nesse
tempo era obrigatório, a minha mãe, como encarregada de educação, foi chamada à
reitoria, para tomar conhecimento do meu comportamento.
O facto de o Reitor me conhecer, as razões que invoquei para
o abandono e certamente a simpatia que tinha por mim, autorizou que eu fosse
certamente o 1º filiado da Mocidade Portuguesa a não ir obrigatoriamente, às iniciativas dessa
Organização.
Mais tarde no 3º ano, actual 7º, foi o seu filho José Hermano
Saraiva, meu professor de História, tendo proposto aos seus alunos, um trabalho
ilustrado, no qual me coube na parte da Antiguidade Oriental.
Fiz para isso uma série de desenhos relativos ao antigo
Egipto, que em conjunto com todos os outros feitos pelos meus colegas, foi
encadernado em forma de livro.
Constou-me que até há poucos anos corria na posse de cada um
desses antigos alunos do Liceu, que continuaram a juntar-se num jantar regular,
com o professor Hermano Saraiva.
Mais tarde, por uma incrível coincidência, tornou-se chefe
da minha companheira, no Instituto de Assistência a Menores, para onde foi nomeado
Director.
As excepcionais qualidades humanas e profissionais da minha companheira, fizeram dela uma referência de eficácia e camaradagem na repartição, merecendo de todos os colegas e nomeadamente do seu chefe Dr.Hermano Saraiva uma particular consideração, pela forma como sempre se comportou, em todos os lugares e tarefas que foi chamada a desempenhar.
Por altura de 1969, vi-me confrontado, com vários processos
disciplinares, ordenado pelo Ministério das Corporações, motivados por ter
iniciado um movimento Nacional contra os fornecedores de cosméticos, que tinham
decidido organiza-se em cartel, para controlar os preços dos cosméticos, sobre
a orientação da L’Oreal.
Porque sabia que José Hermano Saraiva era um homem com um
passado de grande influência política na situação, fui tentar que assumisse a
minha defesa, até por estava a ser vítima de uma perseguição política, contra a
qual me sentia impotente, embora cheio de razão e com pleno apoio de todos os profissionais
do país, excepção feita a alguns colegas, simpatizantes da situação política,
sem grande significado.
Quando lhe contei as razões do conflito, aceitou ficar como
meu conselheiro, mas sem querer dar a cara publicamente como meu advogado.
Reviu e redigiu-me alguns textos que apresentei como defesa,
mas o ataque aos meus direitos, era de tal modo discriminatório, que ele
próprio (para se desculpar e não assumir a defesa das violências que era vítima)
me dizia que não entendia o que estava a acontecer.
Acabei condenado, sem direito a trabalhar legalmente na
minha empresa durante seis anos, mas os efeitos práticos da medida eram só de
natureza simbólica, por a penalidade ser do foro interno, regulado pelo
Ministério das Corporações.
Soube posteriormente que a PIDE tinha determinado a minha
incapacidade de concorrer à Direcção do meu Grémio Profissional, na medida em
que sabiam que se eu concorresse ganharia folgadamente as eleições, fosse qual
fosse o método que quisessem utilizar, mesmo repetindo a batota com que me
tinha impedido de tomar posse como presidente eleito em eleições livres
anteriores, situação que originou os justos protestos que estiveram na base dos
tais processos disciplinares.
Pagou-se regiamente do trabalho que teve comigo, a pesar de toda a relação de proximidade e afinidades passadas.
Ficou para mim claro neste processo, que o seu comportamento
era de total cumplicidade com o fascismo, independentemente de nessa altura já
não desempenhar nenhum cargo político de relevo.
Agora que morreu e como não tenho vocação de “Mandela” sinto
que é menos um petulante fascista, à superfície da terra!!!
QUE A TERRA LHE SEJA LEVE!!!
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