GRITO DE ALERTA
É um texto extenso, mas tão importante que nos atrevemos a
garantir, que quando se começa a ler, cada período é como um murro na nossa
consciência e na nossa sensibilidade.
Veio publicado no jornal “Público” de hoje e é sem dúvida um
texto de uma importância excepcional, que funciona como uma campainha de alarme
ao nosso estatuto da cidadania.
A PROPAGANDA NEOLIBERAL
E A DEMISSÃO DOS MÉDIA
Por: José Vítor Malheiros
13 de Novembro de 2012
A responsabilidade dos media na alimentação deste discurso é
central. É por isso que vemos, em movimentos cívicos como o Manifesto contra a
Privatização da RTP ou a Iniciativa de Auditoria Cidadã à Dívida Pública ou a
Rede Economia com Futuro, a necessidade de produzir e disponibilizar informação
que os media deveriam produzir, filtrar, validar e difundir, mas que não
produzem, não filtram, não validam e não difundem. Os movimentos sociais estão
a tentar fazer o trabalho que devia ser dos media, mas eles ainda não
perceberam, preocupados como estão em colocar o microfone bem próximo dos
lábios de Vítor Gaspar. (José Vítor Malheiros)
A propaganda neoliberal e a demissão dos media
Agora é raro o dia sem uma petição. É rara a semana sem uma
manifestação. Causas urgentes e necessárias, causas justas, às vezes questões
de vida ou de morte, questões de direitos, de liberdade, de dignidade, de
futuro. As petições não custam nada, é só assinar no computador. As
manifestações são mais complicadas, é preciso ir, organizar o dia à volta da
manifestação, saber onde é, por onde passa, quem convoca, que transportes
apanhar, vencer a resistência a participar – não por comodismo, mas porque
quase nunca estamos de acordo com tudo o que representa uma manifestação. É
preciso negociar connosco próprios, ceder, defender o essencial e esquecer o
acessório, pensar nos fins sem nunca esquecer os meios, medir vantagens e
benefícios, participar na contestação mas não banalizar a contestação, mobilizar
as pessoas mas não cansar as pessoas.
Agora todos os dias são dias de luta, mas esta luta
atomizada em manifestações e petições, em debates e reuniões de trabalho, em
artigos para os jornais e fotografias e posts e comentários nas redes sociais
não tem um sentido definido. Muitos dos que contestam a austeridade quando ela
lhes chega ao bolso concordam que gastámos acima das nossas possibilidades e
que é preciso pagar e, se continuarmos a conversa, ainda defendem que o Estado
corte nos gastos sociais dos outros. Muitos dos discursos de rua que começam a
criticar este Governo e o anterior e os anteriores estendem rapidamente o seu
ódio a todos os políticos, a todos os partidos e à própria política e acabam a
criticar a democracia que entregou o poder aos arrivistas corruptos. Muitos dos
que começam a criticar a falta de democracia na União Europeia acabam a
demonizar os estrangeiros que só nos querem roubar o pouco que temos e a
defender o isolacionismo.
A maior vitória do neoliberalismo é esta, os ataques que os
pobres desferem uns contra os outros. O maior ataque ao Estado social é este, o
que se ouve nas conversas dos cidadãos comuns, que criticam os que beneficiam
de apoios do Estado porque obrigam o Governo a aumentar os impostos. Que
criticam as famílias que recebem o RSI e levam as crianças ao café para comer
bolos, como se comer bolos fosse um direito dos nossos filhos mas não dos
filhos dos outros. Que criticam os grevistas dos transportes, porque prejudicam
quem quer ir trabalhar e não pode. Que criticam a classe média que vai aos
hospitais públicos e gasta recursos do Estado, mas tem dinheiro para ir aos
hospitais privados. Que até são capazes de concordar com o líder parlamentar do
PSD, Luís Montenegro, que explica que acabar com os descontos no passe social é
justo porque evita que Belmiro de Azevedo ande de autocarro a beneficiar dos
nossos impostos.
Uma das coisas mais tristes desta crise é ser bombardeado
com as mensagens-correntes de email onde se denunciam os pretensos privilégios
e os grandes salários de alguns. Nalguns casos, raros, a indignação é legítima.
Há gastos excessivos, sumptuários, onde devia haver contenção e frugalidade no
uso de dinheiros públicos. Mas em muitos casos a indignação é não só
disparatada mas cirurgicamente orientada para desviar as atenções das benesses
de que goza o capital. Enquanto umas centenas de ingénuos se indignam com os
salários de certas estrelas da televisão (“Envia esta mensagem a vinte dos teus
amigos!”), não dizem uma palavra contra os juros cobrados a Portugal pela
“ajuda externa”, contra o escândalo do BPN e das PPP, contra os benefícios
escandalosos concedidos aos bancos, as isenções fiscais das grandes empresas, a
fuga legal aos impostos dos grupos económicos com sede na Holanda, o desvio de
dinheiros para paraísos fiscais, os impostos inexistentes sobre os rendimentos
do capital. Tudo isso é escamoteado pelo cachet de José Carlos Malato ou de
Catarina Furtado.
A maior vitória do neoliberalismo é esta, é este discurso,
uma vitória conseguida a golpes de propaganda repetida sem descanso, com a
cumplicidade (frequentemente involuntária e acéfala) dos media. É por isso que
continuamos a ouvir Vítor Gaspar nos telejornais, repetindo as suas fantasias
que nenhum raciocínio sustenta. Um dia, ele ou outra marioneta do Governo virá
dizer-nos que a Terra é plana e os media, dando provas de equilíbrio e isenção,
dirão: “Essa não é, porém, a posição do geógrafo Fulano de Tal, que sustenta,
por seu lado, que…”
A responsabilidade dos media na alimentação deste discurso é
central. É por isso que vemos, em movimentos cívicos como o Manifesto contra a
Privatização da RTP ou a Iniciativa de Auditoria Cidadã à Dívida Pública ou a
Rede Economia com Futuro, a necessidade de produzir e disponibilizar informação
que os media deveriam produzir, filtrar, validar e difundir, mas que não
produzem, não filtram, não validam e não difundem. Os movimentos sociais estão
a tentar fazer o trabalho que devia ser dos media, mas eles ainda não
perceberam, preocupados como estão em colocar o microfone bem próximo dos
lábios de Vítor Gaspar.
1 comentário:
Certeiro na ideia central; "os malefícios do neoliberalismo".
Seria bom juntar as palavras às acções, e amanhã fazermos uma grande GREVE GERAL!
Um abraço.
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