DA CRENÇA E DA RELIGIÃO
O universo e os seus segredos, foram realidades incompreensíveis e injustificáveis durante séculos e séculos.
Com o raiar do processo mental, o homem ao contemplar o cosmos e ao sofrer os efeitos das trovoadas, tremores de terra, temporais e outros fenómenos da natureza, só encontrava justificação, atribuindo a sua origem a um ente superior, que tinha a faculdade de poder produzir todos esses prodígios.
Nos primórdios, a resposta às questões que implicavam fenómenos naturais, ou sobrenaturais, foi sendo atribuída a paternidade aos deuses, como resposta mais óbvia.
Daí a tendência para atribuir transcendência desses factos, que constituíam o seu quotidiano, como exibição da linguagem e da vontade dos deuses para, conforme as circunstâncias, premiar ou castigar o comportamento e as acções do homem.
Eis, grosso modo, a génese da vocação religiosa da humanidade.
Num estágio mais avançado da humanidade, a ciência foi procurando respostas para a sua ignorância relacionada com os fenómenos da natureza, justificando inicialmente o carácter físico-químico das coisas, através da metafísica.
Nas questões de carácter puramente esotérico ou espiritual, foi-se desenvolvendo a crença da omnipotência e requintada bondade do Deus criador.
O supremo encontro da harmonia da natureza com a divindade sua criadora, deus ou deuses, é a principal justificação para a metáfora da fé e a corporização das diferentes crenças religiosas.
A existência desde sempre de boas ou más religiões, de um ou mais deuses, tornados responsáveis pela prática do bem ou do mal, permanentemente ou episodicamente, para um determinado núcleo de populações, é devida ao facto de elas nascerem da imaginação do homem e dos adornos com que o seu culto cativa as massas populares, desenvolvendo-se de acordo com circunstancialismos em que a tradição, os hábitos, o nível cultural e o meio ambiente são elementos fundamentais.
A transcendência de certos fenómenos esotéricos e paranormais, cientificamente indefiníveis pelos conhecimentos na época, contradizendo por vezes as leis das ciências então conhecidas, encontraram na religião uma oportunidade objectiva, para a sua justificação e chamar a si a paternidade.
A essência do espírito religioso, tem evoluído de acordo com o desenvolvimento civilizacional, quase sempre a partir de experiências doutrinais anteriores, o que não impede que a religiosidade também possa ser independente de qualquer doutrina religiosa, como acontecia na generalidade com o homem primitivo.
O cristianismo é um exemplo objectivo de um desenvolvimento, que assenta o seu credo no espírito religioso de muitas religiões anteriores e evoluiu de acordo com circunstancialismos político-culturais de uma determinada época, numa determinada região do mundo.
A moral social, também se serve da religião para determinar os caminhos do desenvolvimento da sociedade de acordo com conceitos políticos da classe dominante, tendo em vista a existência de um deus, como é o caso do Cristianismo, do Judaísmo, Maometismo, etc., ou não, como no caso do Budismo.
A elaboração teológica e organológica, das religiões ditas monoteístas, tem como fundamento a existência de um Deus que premeia ou castiga o comportamento moral e religioso dos seus crentes, com a finalidade primeira de ganharem o céu, como prémio de uma vida percorrida de acordo com as regras, de cada uma dessas religiões.
Aos descrentes, de uma forma geral, está reservado o inferno, sem apelo nem agravo.
A conduta religiosa e a intensidade que esses sentimentos desenvolvem, permite por vezes aos crentes, fenómenos místicos, que extravasam o campo da ciência conhecida e por via disso, reforçam a capacidade e os argumentos para influenciarem as populações na sua crença.
Desde tempos imemoriais, há conhecimento daquilo que vulgarmente se designa de milagre, atribuindo a esta ou aquela divindade ou simples praticante, a faculdade de produzir um fenómeno inexplicável pela ciência conhecida na época.
Daí a continua necessidade de imaginar um Deus, atribuir-lhe a capacidade de conhecer o homem, premiá-lo ou castigá-lo de acordo com uma moral e uma pratica específica, considerando ser essa a única boa e todas as outras más, e consequentemente só os seus praticantes terem direito á vida eterna, negando o direito de subir aos céus e beneficiar dessas benesses, todos aqueles que não estejam de acordo com esses dogmas e os pratiquem.
Esta questão e o temor religioso, de tão primitivo, já deve fazer parte do genoma humano, e tem-se consolidado, apesar da sua irracionalidade, porque apesar do fulgurante avanço científico a que assistimos, ainda não é possível qualificar determinadas energias ou forças que biologicamente o homem possui e que explicariam muitos desses fenómenos, mas que ainda são outorgadas ao carácter religioso.
Outra notória característica das religiões, é querer fazer esquecer que antes delas, já outras estiverem na sua génese. Todas pretendem convencer que o destino dos que não seguirem essas regras, não concordarem ou as desconhecerem, por superstição ou qualquer outro factor, estão fora das graças e benefícios que elas prometem, o que seria um completo absurdo e uma incongruência que negaria objectivamente os fundamentos da Natureza.
Outro contra-senso nesta questão das religiões, traduz-se na violência com que muitas vezes tem usado, no sentido de impor uma determinada crença, em detrimento de uma outra.
O cristianismo é disso um exemplo flagrante, esquecendo o aproveitamento que fez de outras práticas religiosas, para recrutar adeptos e das enormidades que desde sempre cometeu para impor a sua fé.
Toda a sua teologia procura na fé, a justificação para a razão.
Na evolução desta instituição religiosa, não podemos deixar de destacar os primórdios de uma relação de solidariedade e defesa do bem comum, como a principal razão da adesão maciça dos seus crentes.
Só após a hierarquização da sua organização, se procurou impor pela força, a sua expansão.
Os cristãos, que até Constantino I, imperador romano tinham sido uma religião muitíssimo perseguida, passaram então a religião perseguidora, durante séculos. Após o concílio Vaticano II, fruto de uma adequação imposta pela evolução dos tempos, a Igreja Católica procurou através de uma política ecuménica, universalizar a unidade das tendências religiosas.
Era fácil perceber que seria irracional nestes tempos, conceber que estaria somente reservado aos “católicos apostólicos romanos” as sinecuras do céu e por outro lado biliões e biliões de seres humanos estariam segregados por desconhecimento, falta de intuição mística, ou qualquer outra razão ou prática religiosa.
Encontramos alguma explicação cientificamente judiciosa, para a natureza da crença religiosa, no livro do nosso brilhante investigador António Damásio, pioneiro na investigação das questões ligadas á consciência, em “O Sentimento de Si” das publicações Europa América.
Aí se consegue perceber porque uma pessoa, mesmo muito inteligente e muito culta, pode ter naturalmente, uma fortíssima e autêntica vocação religiosa.
Apesar de tudo, consideramos que a religião ainda é, nos tempos de hoje, um factor importantíssimo no desenvolvimento do processo civilizacional, derivado do facto de todas elas terem como raiz ideológica, uma vocação generosa e de defesa do bem comum, mas a caminho do esgotamento, na medida em que as suas hierarquias adulteraram esses mesmos fundamentos, para proteger os interesses materiais das classes dominantes, em defesa dos seus próprios privilégios.
Para terminar por agora, esta simples abordagem á crença e á questão religiosa, concedendo embora que não seja possível por enquanto, dar uma explicação científica plausível, para determinados fenómenos de carácter extra-sensorial ou esotérico, continuamos a pensar que só ao temperamento místico que caracteriza alguns seres humanos, se pode atribuir a capacidade de se transcender e numa perspectiva puramente humana alterar a natureza das coisas, confundindo e justificando como divino, a índole desses fenómenos.
Em conclusão, no que diz respeito aos fenómenos extra sensoriais, acreditamos que um dia todos terão a sua explicação científica, sem a necessidade de atribuir a um ente superior, a obrigação de se preocupar minuciosamente com todos e cada um em particular.
E finalmente, pensamos que tudo se resume á necessidade de o homem não ser capaz de admitir, que depois de morrer….acabou!!!
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